Natércia Pontes

Natércia Pontes

Futuro do pretérito

“Fui uma criança que cavava buracos, cheirava plantas e incomodava formigas. Às vezes eu feria meu dedo de tanto futricar na tinta da parede. Passava tardes inteiras estirada no chão frio. Eu tinha barbies, amigos e família, mas sobretudo eu me tinha: era melancólica, com o peito e os olhos fundos. Inventava músicas sempre com a mesma melodia e sonhava em ser arqueóloga. O passado me encantava. Sempre fui atraída por aquilo que está debaixo da terra. Acho que por isso virei escritora. Mas essa introspecção não é uma marca só minha, penso que toda criança consegue se fechar em si mesma e a gente vai perdendo esse poder aos poucos. A vida vai virando uma força-tarefa sem sentido, as pessoas são esmagadas ao fim do dia com o único propósito de se ganhar o pão, fazer dinheiro e sobreviver. Muitas nem dormem. Estão esgotadas demais para ouvir seu barulho interior. O tempo de não fazer nada é um luxo para poucos e muitos não sabem mais como fruir esse estado de imersão, de encantamento. Eu sonho com um futuro em que antes de tudo não haja fome, não haja ódio. Que não seja a morte como tem sido. Um futuro em que a vida seja dignamente vivida e conectada ao seu barulho interior, seu silêncio.”

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Quando você era criança, como imaginava o futuro? E como é o futuro que você quer agora? A cada semana, convidamos uma pessoa a responder essas perguntas como parte da nossa Temporada no Futuro. Acompanhe!

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Natércia Pontes é escritora. Publicou “Copacabana dreams” (2012), finalista do prêmio Jabuti, e Os tais caquinhos (2021).


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