Folhas acima da cabeça, sob os pés, por todos os lados. Nesta semana, a Temporada no Futuro nos leva ao mundo da escritora estadunidense Ursula K. Le Guin (1929-2018) — ou melhor, a um dos muitos mundos construídos por um dos mais importantes nomes da história da ficção especulativa.
Vencedor do Hugo Awards, “Floresta é o nome do mundo” é o sétimo livro do nosso projeto que propõe a imaginação de diversos futuros a partir da literatura. Escrita em 1972, a obra segue extremamente atual, ao tratar de assuntos como o extermínio de populações nativas e devastação.
A trama se desenrola em Athshe, planeta formado por uma densa floresta tropical e habitado por humanoides esverdeados que têm uma relação profunda com o meio ambiente. Tudo vai bem até a chegada dos terranos, que escravizam os nativos e destroem o bioma para extrair madeira e enviá-la para uma Terra devastada. Diante da brutalidade da colonização, só resta aos athshesianos uma opção: fazer a revolução.
“É um livro super importante porque ele tem o poder de mostrar que o que a gente precisa é deixar de pensar o planeta e o meio ambiente como um recurso, como algo a ser explorado e usado como fonte de riqueza para alguns, e passar a vê-lo como algo de que fazemos parte”, comenta a curadora Stephanie Borges.
SOBRE A AUTORA
Ursula K. Le Guin nasceu em Berkeley, Estados Unidos, em 1929. Ao longo de seus quase 60 anos de carreira, escreveu mais de vinte romances e mais de cem contos. Era também poeta, ensaísta e autora de livros infantis. Conquistou dezenas de prêmios, como o Hugo, o Nebula e o National Book Award. Entre suas obras mais conhecidas, e que ganharam edições recentes no Brasil, em 2019, estão “A mão esquerda da escuridão”, “Os despossuídos” e “A curva do sonho”.
“Você segura o sonho com as mãos?”, perguntam a Selver, protagonista de “Floresta é o nome do mundo”, livro de Ursula K. Le Guin que faz parte da nossa Temporada no Futuro. Na obra, Selver e os outros nativos do planeta Athshe se distinguem de nós, os terranos, entre outras coisas, por sua conexão com a natureza e a habilidade para sonhar, descobrir a razão de seus sentimentos, encontrar respostas no mundo onírico.
Mas não é necessário ir tão longe, viajar para outras galáxias, para falar de sonhos — há algum tempo eles despertam interesse de diferentes campos do conhecimento, como a psicanálise, a neurociência e a antropologia.
Há milhões de anos sonhamos, mas a nossa relação com os sonhos mudou bastante. “Se os antigos se deixavam guiar pelos sonhos, a intimidade dos contemporâneos com eles é bem menor”, observa o neurocientista Sidarta Ribeiro em “O oráculo da noite” (2019), seu livro sobre ciência e história do sonho. Já Ailton Krenak, autor de “Ideias para adiar o fim do mundo” (2019), diz que “o sonho prepara as pessoas para se relacionarem com o cotidiano. […] É também um lugar de veiculação de afetos”, observa, fazendo referência à prática de contar os sonhos a outras pessoas.
“Os brancos sonham com o que não tem sentido. Em vez de sonharmos com o outro, sonhamos com o ouro”, afirma o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro na introdução de “A queda do céu” (2015), de Davi Kopenawa e Bruce Albert. No livro, Kopenawa — xamã dos Yanomami — observa como as ideias dos homens brancos são “obstruídas e enfumaçadas” pelos ruídos das máquinas das grandes cidades. “Eles dormem sem sonhos, como machados largados no chão de uma casa.”
Os sonhos também chamaram a atenção da fotógrafa e ativista Claudia Andujar. Em “Sonhos Yanomami”, ela apresenta um registro onírico e espiritual e da cultura do xamanismo. Produzida em 2002, 10 anos após a demarcação das terras Yanomami, a série reflete ainda um período de otimismo na luta indígena.
Seja na ficção, seja no dia a dia, a grande pergunta é: como retomar a arte de sonhar? Como ir além de onde os nossos sonhos nos levaram até agora?