Descrição
Fernando Pessoa (1888-1935) publicou apenas um livro de poemas em português durante sua vida, além de alguns folhetos de versos em inglês. No entanto, deixou uma imensa produção esparsa ou inédita, parte inacabada – como seria de esperar de um escritor que não só se exercitou em vários gêneros, mas encarnou múltiplos autores. Por isso, mais de 80 anos após sua morte, ainda será possível encontrar inéditos. Prova disso é a coletânea que a CARAMBAIA lança agora, Contos completos, fábulas & crônicas decorativas, reunindo 14 textos que Pessoa deixou concluídos e revisados, três deles antes inéditos em livro. O volume traz também três contos do escritor norte-americano O. Henry traduzidos por Pessoa. A organização ficou a cargo do poeta e tradutor angolano Zetho Cunha Gonçalves, um dos principais escritores de seu país. Nascido em 1960 e hoje vivendo em Portugal, Gonçalves foi indicado este ano pela Universidade de Lisboa ao prêmio Nobel da literatura, e é um dos principais especialistas na obra de Pessoa.O maior poeta modernista português se apresenta nesse livro em algumas de suas facetas menos conhecidas, como as de contista e dramaturgo – foi também autor de ensaios filosóficos e crítica literária (este talvez o veio mais frequente de sua obra lançada em vida), prosa memorialística e se lançou a esboços de vários gêneros, incluindo tentativas de ficção policial. Em comum entre os textos do livro está o fato de terem sido escritos e publicados em periódicos sob o nome real (ortônimo) de Fernando Pessoa e não atribuídos a algum de seus mais de 70 heterônimos. Outra constante – com a exceção do angustiante “drama estático” O marinheiro, que fecha a coletânea com a gravidade de um fado – é a presença de um humor provocativo, que oscila entre o absurdo e a ironia.É esse o veio explorado no conto de abertura, intitulado Crônica decorativa I, em que o narrador, ao ser apresentado a um professor-doutor da Universidade de Tóquio, especula sobre a existência do Japão e dos japoneses, cuja realidade para ele se resume às representações decorativas de bules e chávenas de chá. Um pouco mais à frente se lê o genial O banqueiro anarquista, que consiste de um diálogo ao estilo socrático no qual um homem idealista prova com absoluta frieza lógica que não só é possível ser banqueiro e anarquista ao mesmo tempo, como é o único modo de exercer o anarquismo coerentemente.
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