Descrição
Para a feminista e teórica de mídia Kylie Jarrett, existe uma contradição na mídia digital. Usamos plataformas comerciais como Facebook ou Twitter para expressar nossa identidade e nossos afetos, construir comunidades e para nos engajarmos politicamente. Os sites de mídia social estão cada vez mais implicados em nossa identidade e em nossas relações. Ao mesmo tempo, alimentamos gratuitamente o conteúdo desses sites com atualizações de status, tweets, vídeos, fotos, opiniões e ajuda. Em nossas interações online, também geramos um sem-número de dados de usuário que podem ser extraídos, reaproveitados e vendidos aos anunciantes. No campo da pesquisa em mídia digital, essas práticas têm sido vistas cada vez mais como mão de obra, trabalho que fazemos gratuitamente e que beneficia as empresas de mídia e seus anunciantes. Adolescentes e crianças também são bem-vindos. Como usuários da web comercial, estamos social e criativamente engajados na produção de vários tipos de sociabilidade significativa, mas também somos considerados trabalhadores explorados pelas empresas das plataformas de comunicação. Como podemos reconciliar essas contradições e compreender o significado econômico e social da mídia digital? A expressão dona de casa digital é provocativa, diz Jarrett, mas, ao mesmo tempo, remete a uma história que ficou bem conhecida com o livro Calibã e a Bruxa, de Silvia Federici: desde as origens do capitalismo, da “assim chamada acumulação primitiva”, o trabalho feminino, doméstico, afetivo e biológico da mulher é capturado gratuitamente pelo capital. Como se dá essa captura dentro do próprio lar e no âmbito da família? Segundo as duas pensadoras feministas, o salário era considerado o ganho necessário para o trabalhador manter a si e à sua família, ou seja, reproduzir sua condição social, gerar com sua esposa filhos que serão novos trabalhadores. Mas essa equação ignorava o trabalho feminino realizado em casa, longe das fábricas e oficinas. Afinal, o que é o trabalho doméstico, afetivo e biológico, do ponto de vista da economia política, senão a reprodução da força de trabalho? Hoje, quando homens e mulheres vendem seu trabalho como mercadoria no mercado de trabalho, a situação se repete. Talvez agora o pacote de trabalho doméstico seja mais bem dividido entre parceiros, mas a lógica permanece a mesma: é trabalho realizado para reproduzir a força de trabalho, mas que não é remunerado. Kylie Jarrett estende esse raciocínio ao trabalho digital que fazemos gratuitamente nas mídias sociais. É claro, esse trabalho é realizado por todas as pessoas, daí a expressão dona de casa ser provocativa: todos somos úteis para o trabalho digital grátis. O mérito deste livro é oferecer “uma ferramenta que nos permita entender o trabalho cujo resultado principal nem sempre é mercadoria, mas que, apesar disso, está incorporado ao capital. Precisamos de um modelo de atividade do consumidor que apareça como trabalho essencial para a geração de lucro, mas que também seja rica em significados e repleta de valores de uso inalienáveis – um modelo que possa examinar produtos essenciais que são mercadorias, mas que são igualmente valores de uso significativos no âmbito social, e que reconheça ambos os papéis desse trabalho, o econômico e o social” (p. 174). Kylie Jarrett é professora de Estudos de Mídia da universidade Maynooth na Irlanda. Com Ken Hillis e Michael Petit, é autora de Google and the Culture of Search e pesquisou uma série de outras plataformas comerciais da web, como eBay, YouTube e Facebook.
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