Aquarela do Plazil
Por Gustavo Pacheco
14 de setembro de 2023
Bráulio Garrazazuis Bestianelli, Segundo-Sarnento das Forças Mamadas do Plazil, é um pautriota. Casado com uma mulher sessenta anos mais jovem, seu sonho é ocupar o Palácio do Cacete e, para isso, lança-se candidato a presidente pelo Partido Armamentista Ufanista (PAU). Seu slogan: “Vamos passar pano nos problemas pra limpar o Plazil!”. Quando uma jornalista lhe pergunta sobre a composição de seu futuro ministério, ele responde: “Uma mulher num ministério equivale a dez homens! (Palmas da plateia) Por isso a proporção de ministros será 90% masculina e 10% feminina, pois não devemos esquecer que o Palácio do Cacete é uma casa, e toda casa de bem precisa de um toque feminino para prosperar”.
Isso lembra algum governante que você conhece? Calma, não tire conclusões apressadas. Bráulio, o personagem-título do engraçadíssimo e sagaz O presidente pornô (Companhia das Letras, 2023), foi inspirado não em um, mas em vários nomes da política brasileira: Getúlio Vargas, Jânio Quadros, Fernando Collor, Itamar Franco, até Hermes da Fonseca, todos esses e muitos outros contribuem com seu quinhão para a orgia literária criada por Bruna Kalil Othero. Nossos desvarios não começaram ontem, eles vêm de longe, e saber disso torna ainda mais nervosas as nossas risadas durante a leitura.
Um conhecimento amplo e detalhado do folclore político nacional é um pré-requisito essencial para escrever um romance como esse, mas não é suficiente; a graça de O presidente pornô está sobretudo em sua forma delirante e despudorada, que faz com que os leitores e leitoras se debrucem sobre o passado do Brasil como “cientistas malucos sob o efeito de psicotrópicos tropicais”, conforme diz a advertência no início do livro. Na melhor tradição porno-satírica do Brasil, e no extremo oposto do realismo comedido da maior parte da ficção brasileira contemporânea, Bruna Kalil Othero escreveu um livro carnavalesco, excessivo, bizarro, hilário e cheio de putaria. Gregório de Matos, Hilda Hilst e Zé Celso ficariam orgulhosos.
Em uma avaliação impagável no site de uma conhecida livraria virtual, uma leitora deu apenas uma estrela ao livro, dizendo: “É apenas uma sucessão de descrição de sexo que adultos já conhecem, mesmo que não pratiquem”. Certamente vai ter gente que vai concordar com ela, o que é uma pena; como sabemos, o conservadorismo moral, o político e o estético costumam andar juntos, e eventuais implicâncias com a libertinagem desenfreada podem impedir alguns leitores e leitoras (especialmente os que não praticam) de desfrutar desse livro tão divertido e tão inteligente.
Quando Carlos Lacerda foi preso logo depois do AI-5, decidiu protestar fazendo greve de fome. Seu irmão foi visitá-lo na prisão e o convenceu a parar o protesto com esse argumento decisivo: “Você quer fazer Shakespeare na terra da Dercy Gonçalves?”. O presidente pornô está aqui para nos lembrar que, para o bem e para o mal, vivemos na terra de Dercy Gonçalves; e que, se a nossa história não é nem nunca foi o que gostaríamos, isso não deveria nos impedir de, sempre que possível, relaxar e gozar.
Gustavo Pacheco é escritor, tradutor e codiretor da revista Granta em língua portuguesa. Seu livro de contos Alguns humanos (2018) ganhou o prêmio Clarice Lispector da Fundação Biblioteca Nacional. Traduziu para o português obras de Roberto Arlt, César Vallejo, Julio Ramón Ribeyro e Patricio Pron.