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Quando o peso é o outro nome da leveza

Por Edimilson de Almeida Pereira

22 de maio de 2022
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Diana Junkes nasceu em São Paulo, em 1971. É poeta, crítica literária e professora de literatura brasileira na Universidade Federal de São Carlos, onde coordena um grupo de estudos sobre poesia, cultura e poesia brasileira contemporânea. Seus poemas foram incluídos em antologias na França e nos Estados Unidos. Como teórica da literatura, publicou As razões da máquina antropofágica: poesia e sincronia em Haroldo de Campos (2013) e, como poeta, clowns cronópios silêncios (2017); sol quando agora (2018); asas plumas macramê (2019) e asfalto (2022).

O volume asas plumas macramê foi traduzido para o espanhol e publicado na Argentina pela Vera Cartonera. Do ponto de vista formal, é um livro conciso, que reúne treze poemas com treze ilustrações com a técnica japonesa sumiê realizadas por Suely Shiba. O entrelaçamento entre pintura e poesia (evidenciado pelas manchas gráficas do texto impresso e do sumiê), bem como o formato do livro (simulando uma moldura), ressaltam de imediato o aspecto imagético da obra. Pode-se dizer que asas plumas macramê nos remete a um exercício de écfrase, no qual texto e imagem se interpelam mutuamente. Veja-se, a propósito disso, a atmosfera agônica do poema V: sucedido por uma imagem em que a presença do humano é tão somente uma suposição, em meio a linhas que se dissolvem, o poema se conclui com um desafio ao nosso desejo de comunicação – “esta mudez/ possível apenas aos que ultrapassam/ os muros da linguagem”. Porém, depois de inaugurar o diálogo, Junkes rompe esse pacto, forjando um estado particular de relação entre a dureza da realidade e a suspensão metafísica do sumiê. Nesse estado poético, o que os traços claro-escuros do sumiê nos permitem entrever nas trevas, o poema revela sem contornos:

“as utopias picotadas espalhadas em voltas pelas escadas estão submersas em notícias (I)” 

“ali no chorume são todos iguais:

latas sacos comida estragada

[…]

os restos são tratados com voracidade e dignidade

pelos ratos pelas lacraias

por este urubu-rei no alto do poste

à espera do monturo (VII)” 

Do ponto de vista do conteúdo, o tensionamento entre leveza e brutalidade se apresenta como a espinhal dorsal de asas plumas macramê. Não são poucas as referências a fatos que resultam das desigualdades sociais: fome, guerra, preconceito são provas concretas de que “os tentáculos do horror iniciaram as obras (II)”. Não se pode escapar dessas evidências entranhadas na história passada e recente, da qual fazemos parte. Todavia, nesse redemoinho de horrores “restam alguns traços de leveza (II)” e a utópica constatação de que “a ternura é mineral mesmo diante da chuva (X)”. Em linhas gerais, a poética de Junkes se estabelece como um entrelaçamento entre “os modos de dizer” e “os assuntos e/ou temas”; dessa experiência – fruto de um olhar atento para o mundo e para a escrita – resultam poemas que subvertem o comodismo das formas estabelecidas, bem como os consensos sobre os assuntos abordados: “o mar é uma mulher, a mar, é assim que a vejo e escuto daqui de onde estou assim a chamarei: a mar” (Nota da autora).

Nesse processo de negociações que amplia os campos de nossa percepção, sobressai, por um lado, a rasura do dicionário de sensibilidades preestabelecidas e a inauguração, via linguagem poética, de outras sensibilidades: “pressinto que cem fuzis entre as estrelas silenciarão todos os assassinos do sol (VIII)”. Por outro lado, em decorrência da provocação às ideias correntes nos discursos massificados, nos deparamos com uma poética que extrai da consciência de nossas ruínas o gérmen da reconciliação com a vida: “suponho/ que ainda há chances para a democracia/…/ enquanto levo você pelas mãos (II)”.

O tensionamento entre a realidade social e a realidade fundada na linguagem que permeia os poemas de asas plumas macramê reflete alguns aspectos de um fazer poético que podemos chamar de insurgente. Dessa perspectiva que se realiza intrinsecamente como experimentação estética (sem deixar de percorrer os meandros da sociedade) derivam poéticas que colocam em xeque as estruturas da linguagem e expandem a poesia como um campo relacionado a diversas áreas do conhecimento. Diante disso, ler Diana Junkes – poeta e teórica das questões literárias – nos situa diante de uma voz que se articula a partir de reflexões dissonantes e metacríticas, que investe nos intercâmbios, nas flutuações, nos atritos, nas rasuras, enfim, nos grandes e pequenos processos que conferem à poesia condições para se realizar em diferentes formas, tal como nos sugerem os poemas e os sumiês de asas plumas macramê.

© Prisca Agustoni

Edimilson de Almeida Pereira é poeta e professor na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora. Publicou Entre Orfe(x)u e Exunouveau: análise de uma epistemologia de base afrodiaspórica na literatura brasileira (2017) e Poesia + antologia (2019). Sua obra de ficção inclui O ausente, Um corpo à deriva e Front – publicações de 2020.

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