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Objetos em dispersão

Por Edimilson de Almeida Pereira

13 de fevereiro de 2022
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O poeta Carlos Orfeu nasceu em Queimados, município da região metropolitana do Rio de Janeiro. É autor de Invisíveis cotidianos, publicado em 2017 pela editora LiteraCidade, de Marabá, e reeditado em 2020 pela editora Patuá, de São Paulo. Em 2019 trouxe a público o livro Nervura também pela Patuá e, em 2021, a plaquete Ramagem pulmonar pelo selo editorial Primata, também de São Paulo. Em 2019 o autor foi incluído na antologia Sob a pele da língua, organizada pelo poeta Floriano Martins e publicada pela Cintra/arc Edições de Fortaleza. Seus poemas têm sido divulgados em sites e revistas literárias no Brasil e em Portugal.

Um roteiro de leitura para Invisíveis cotidianos pode ser depreendido a partir de dois aspectos: a citação de Gaston Bachelard (“Veremos o avesso de todas as coisas, a imensidão íntima das pequenas coisas”), que funciona como epígrafe; e o fragmento “elidir a imagem/ moldura/ sépia/ crua” do poema “Sépia”, que abre o livro.

No primeiro aspecto sobressai o traço lúdico, que nos incita a ver as coisas para além da frugalidade diária. Pelo avesso é possível perceber significados que ultrapassam, em extensão e profundidade, os ensaios de interpretação produzidos por nossa vontade. Se compreendermos o jogo de inversões como uma estratégia cognitiva, compreenderemos que o significado das coisas, do mundo e do sujeito é um moto-contínuo. Daí o desafio de entendimento posto à nossa sensibilidade, quando nos deparamos com coisas que rechaçam as restrições que lhes são impostas pelo nosso olhar: “revoltam-se os objetos/ contra a insânia dos homens”; “os objetos de bronze// recusam/ a fisi-/ onomia/ clara” (poema “Objetos”).

No segundo, intrinsecamente relacionado ao primeiro, Carlos Orfeu realça o traço filosófico do enunciado poético. Ao se interessar pelo “inapreensível grito das coisas” (veja-se que a negação do ato comunicativo é, paradoxalmente, a revelação daquilo que as coisas comunicam), o poeta nos recorda que o significado resulta de um tensionado jogo de abstrações e aparências. Sob essa perspectiva, aquilo que o sujeito pensa que é se expõe em lances fragmentários numa disputa de término indeterminado.

Sem desconsiderar a lógica de uma escrita que se faz como analogia da realidade, Carlos Orfeu investe no que podemos chamar de dimensão imaginativa da linguagem na qual se destaca a percepção da pluralidade de cada coisa ou pensamento. Em Invisíveis cotidianos, os poemas deslizam pela alternância contínua dos acontecimentos e rompem a hierarquização entre os significados, como podemos observar na série “Oikos”. Por ser múltipla a casa – lugar de objetos e seres viventes – revela-se também como o “refúgio de sonhar/ e ser sonhado”, “de habitar e sermos habitados”. Para exprimir esse mundo em dispersão, o poeta vale-se de uma linguagem concisa do ponto de vista formal e explosiva do ponto de vista do conteúdo. Nessa frequência, cada poema é constituído por uma sucessão de imagens imprevisíveis (“a casa fecha as pálpebras” – poema “Insone”) e de argumentos de igual teor (“entrar na casa como um corpo/ estranho entra em outro nome” – “Oikos”).

No seu todo, Invisíveis cotidianos é uma galáxia de imagens e argumentos em expansão, que demandam uma interpretação dissonante em contraste com aquela exigida por poéticas coladas pragmaticamente à realidade. Embora o título do livro mencione o cotidiano, é bom lembrar que ele mergulha no avesso dos fatos para expressá-los numa linguagem plástica que permite ao poeta sintetizar ora um microcosmo imagético (“a cadeira é um signo/ infinito de leituras” – poema “Cadeira”), ora um macrocosmo conceitual, em oposição à noção do cotidiano como tempo-lugar do senso comum (“o sol/ salamandra selvagem/ fareja o pão” – poema “Besouro”). Em síntese, Invisíveis cotidianos se desenha como um jogo cujas regras se apagam quando desveladas. Isso nos coloca diante de uma poética que não nos abandona, mas nos lembra (como o “pequeno sísifo” do poema “Besouro”) que ninguém, a não ser nós mesmos, nos levará ao cume da montanha.

© Prisca Agustoni

Edimilson de Almeida Pereira é poeta e professor na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora. Publicou Entre Orfe(x)u e Exunouveau: análise de uma epistemologia de base afrodiaspórica na literatura brasileira (2017) e Poesia + antologia (2019). Sua obra de ficção inclui O ausente, Um corpo à deriva e Front – publicações de 2020.

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