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A duração do discurso poético

Por Edimilson de Almeida Pereira

14 de agosto de 2022
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O poeta, contista, ensaísta tradutor, músico e dramaturgo Paulo Eduardo de Oliveira nasceu no interior paulista, precisamente na cidade de Colina, em 9 de março de 1950. A partir de 1975, em contato com os poetas Oswaldo de Camargo e Abelardo Rodrigues, em São Paulo, formou o grupo conhecido como Triunvirato. Reunidos no Bar Mutamba, os poetas debatiam alguns dos temas mais importantes relacionados à literatura brasileira em geral e às demandas das autorias negras em particular. O leque de temas e de autores foi ampliado com a participação de Luiz Silva (Cuti) e do escritor argentino Jorge Lescano. Nesse ambiente, germinou o projeto editorial dos Cadernos Negros, cujo primeiro número foi editado em 1978. No início dos anos 1980, os Cadernos Negros passaram a ser editados pelo coletivo Quilombhoje.

Pari passu ao trabalho intelectual, Paulo Colina foi militante com participação ativa nas discussões acerca da causa negra, denunciando as estruturas excludentes da sociedade brasileira em relação à população afrodescendente. O poeta participou da diretoria da União Brasileira de Escritores, nos anos 1980, ampliando sua presença na cena literária brasileira do período. Em 1982, sob o selo da editora Global, Colina organizou e publicou o livro AXÉ: Antologia contemporânea de poesia negra brasileira, que venceu o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes, APCA, na categoria melhor livro de poesia do ano. Essa antologia marcou época, principalmente por abranger nomes situados além do eixo Rio-São Paulo e demonstrar a preocupação crítica de Colina de apreender a complexidade das vozes e estilos de autorias negras no país.

Paulo Colina teve poema incluídos em diversas antologias, entre as quais a Schwarze poesie/Poesia negra (edição bilíngue alemão/português) organizada por Moema Parente Augel e publicada em 1988, em St. Gallen, Colônia e São Paulo, pela Edition Diá, e a Antologia da nova poesia brasileira sob a organização de Olga Savary, em 1992. Dentre seus livros individuais destacam-se Fogo cruzado (1980, contos); Plano de voo (1984, poesia); A noite não pede licença (1987, poesia); e Poesia reunida (2020).

Com edição de Eunice Souza e Marciano Ventura, a Poesia reunida de Paulo Colina se insere num contexto recente de publicações de antologias e obras reunidas que recolocam em circulação a poesia de importantes nomes. No primeiro caso, tem-se pesado demais para a ventania, de Ricardo Aleixo (2018); Coração subterrâneo, de Olga Savary (2021); 30 poemas de um negro brasileiro, de Oswaldo de Camargo (2022). No segundo, Longe, aqui. Poesia incompleta 1998-2019, de Maria Esther Maciel (2020); Não pararei de gritar: poemas reunidos, de Carlos Assumpção (2020); Poesia reunida (1968-2021), de Leonardo Fróes (2021); Poemas reunidos, de Miriam Alves (2022), e Poemas coligidos (1983-2020), de Rodrigo Garcia Lopes (2022). Dentre os autores e autoras estrangeiro(a)s, destacam-se publicações como Esta vida: poemas escolhidos, de Raymond Carver (2017, tradução de Cide Piquet); Poesia completa, de Maya Angelou (2020, tradução de Lubi Prates); e A chama: poemas, letras desenhos, notas, de Leonard Cohen (2022, tradução de Caetano W. Galindo).

A partir dessa breve lista entrevê-se a intenção de autore(a)s e estudioso(a)s de disponibilizar acervos poéticos dispersos ou distanciados do público, bem como de estimular a reinterpretação desses acervos à luz de leituras contemporâneas. Em se tratando de Paulo Colina, esses aspectos ressaltam a permanência de uma obra que responde a demandas específicas da militância política das comunidades negras e, simultaneamente, instiga leitores e teóricos a perceber o que, nessa mesma obra, se articula como uma experiência atenta às demandas próprias da escrita poética. Por conta disso, o poeta que denuncia com veemência os horrores do racismo (“é impossível tratar/ de liberdade/ desterrado em teu corpo”, em “Desterro”) e as tramas políticas que o sustentam (“A Princesa esqueceu-se de assinar/ nossas carteiras de trabalho.// Desconfio, sim, que Palmares vivo/ é necessário”, em “Pressentimento”) só o faz porque amparado num sólido conhecimento das funções, tensões e possibilidades da linguagem poética (“o poema quero branco/ puro espanto face porta/ arrebentada/ noite plena”, em “Forma e conteúdo”).

Em sentido amplo, o percurso de Paulo Colina reitera, ao mesmo tempo que ultrapassa, o difícil jogo entre as convocações duras da realidade e os apelos enigmáticos (e tantas vezes obscuros) da linguagem poética. Sem recusar um ou outro lado da questão, Colina construiu uma escrita própria, que expõe os dilemas da sociedade moderna no Ocidente. A solidão e o medo do homem nas grandes cidades (“a solidão coletiva da cidade”, em “SP blues”), o amor tensionado entre o prazer erótico e a perda (“amargos tempos esses/ em que carrego a ausência/ da tua língua”, em “Te estranho”) e a angústia em face do futuro incerto (“Até quando as estrelas/encravadas nas gretas/ do céu aberto/ das palmas das minhas mãos/ chorarão a ninhadas/ este destino de ratos?”, em “Jogo de búzios”) são alguns dos temas que revelam a pertinência da poesia de Paulo Colina na contemporaneidade. Em outras palavras, o poeta revela naquilo que nos afeta de imediato a duração, nem sempre confortável, do desafio de sermos aquilo que ainda não somos.

© Prisca Agustoni

Edimilson de Almeida Pereira é poeta e professor na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora. Publicou Entre Orfe(x)u e Exunouveau: análise de uma epistemologia de base afrodiaspórica na literatura brasileira (2017) e Poesia + antologia (2019). Sua obra de ficção inclui O ausente, Um corpo à deriva e Front – publicações de 2020.

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