Descrição
“Marcelo Ariel é um dos grandes poetas brasileiros em atividade, isso não se discute. Esta reunião de sua poesia mostra potência em várias formas, no embate político, na deriva filosófica e no recurso jazzístico ao improviso. Ariel transita entre ruelas e vastos espaços, o silêncio solitário e o berro da guerrilha, enquanto ele próprio faz da autometamorfose poética uma ética. Poesia assim não é pra todo mundo. Mas se dirige a todo o mundo.” Guilherme Gontijo Flores Este livro não é apenas a densa antologia poética de um dos escritores contemporâneos mais instigantes e inclassificáveis (como se isso fosse pouco….). É ainda e também a potente ontologia política elaborada por um dos nossos pensadores mais originais e insubmissos. “Poderíamos responder / ao hibridismo / democracia-fascismo / com a invenção de uma política / da imanência / inspirada naquilo / que os rios e as árvores / têm a nos dizer?” é a questão que coloca insistentemente e a cada poema, e que tenta responder persistentemente e a cada verso com a postulação de alianças de extração afro-indígena, “sufinambá”, que, partindo das “aldeias indígenas”, “respondem de e no modo efetivo / da alteridade radical”, “e em suas caosmoses / se conectam com a vida dos poetas / dos loucos / das crianças / dos pobres que não desejam a riqueza / enfim / com os campos de irradiação / da diferença / dos que vivem mais próximos do / Devir-Xingu do que do Devir-Brasília / ou do Devir-Cubatão”. É como se toda a poesia (i.e., toda sua política) de Marcelo Ariel fosse a tentativa de criar uma linha de fuga a esse Devir-Cubatão que o assola, que nos assola como o “ANJO DA HISTÓRIA * NOSSO INIMIGO”, e permitir a “a invasão das fagulhas de novas sinapses, / novas configurações da mente / nas crianças, nos loucos, nos índios e nos chamados poetas, / seus símiles novas sinapses invadindo / como estes desabrigados invadem os prédios, / mas as sinapses não dependem, nem esperam apenas invadem / como os sem-terra, os sem-teto / o espaço delimitado”. Daí a importância do surto (“surto cósmico”, “estados surtológicos”, “é preciso trincar o nome das coisas com o surto”), que instaura um estado, nomadológico em relação a(o) si, e dialógico com o outro (“Os movimentos de nomadismo dialógico que chamamos de conversas, diálogos são para o ser o mesmo que O SONHO ou O SURTO”) e em que se trata de ser invadido, de tornar-se uma invasão, um espaço de resistência (“O DEVIR NEGRO INAUGURA O QUILOMBO INTERIOR DE CADA SER”). Mas a ontologia política aqui não é enunciada. É performada. Ela se faz – a cada poema, a cada poiesis, porque em jogo está uma transformação do que nós somos e também da linguagem que somos e que é: “Somos como letras / num poema, / da ausência inconcebível do antes / à falsa nulidade do depois / Também somos o sopro / que se move / entre os dois”, como lemos em “Ontologia e signo”. Não se trata então somente de contaminar a poesia pela política, mas também, dada a aliança que se propõe, de devir-poética a política: “Cancela a usina / com o cantar / porque a voz está / no rio abraçando o mar”. Ao fim e ao cabo, Ariel nos exorta a fazer “uma caminhada por dentro de lugares que aparentemente nos sonham pelo lado de fora”, na forma de sucessivos surtos, isto é, poemas, isto é, diálogos com a alteridade radical que nós somos, que nós podemos ser, se tomarmos a “DECISÃO SURTOLÓGICA DE NASCER”, se produzirmos em nós esse “incêndio ao contrário”. Afinal, “É impossível encontrar quem não saiu de si”.
Avaliações
Não há avaliações ainda.