Descrição
Pode-se que dizer que O túnel é um romance policial pelo avesso. O crime e seu autor são revelados na primeira frase do livro pelo protagonista e assassino, o pintor Juan Pablo Castel. Segue-se um relato angustiado das circunstâncias e engrenagens íntimas que o levaram a matar a mulher pela qual se apaixonou, María Iribarne, depois de vê-la observando atentamente, numa exposição, um quadro de sua autoria. Não há detetives, mas uma autoinvestigação que tangencia a loucura, embora recoberta por uma racionalidade aparentemente rigorosa. Breve e poderoso, O túnel foi o primeiro romance (1948) de Ernesto Sabato (1911-2011), um dos grandes escritores argentinos num século em que houve muitos. A tradução é de Sergio Molina e o posfácio, de Caio Sarack, mestre em filosofia pela Universidade de São Paulo.
Físico de formação, o autor já havia publicado artigos e livros de ciência e filosofia. O túnel, contudo, o apresentou para um público amplo e conferiu a Sabato prestígio imediato, dentro e fora da Argentina. Com fortes tintas existencialistas, o romance chamou a atenção de Thomas Mann e Albert Camus – este promoveu sua publicação na França. Como os anti-heróis de Sartre e do próprio Camus, o protagonista de O túnel é um “eu” em processo de desintegração, preso num túnel que não consegue romper. Tanto assim que os demais personagens do romance – o marido cego de María, um primo e uma prima dela, alguns amigos de Castel, até a própria María – têm algo de fantasmagórico. Pois quem conduz a história é Castel, guiado por sua paranoia e sua raiva.
A Castel faltam compaixão e habilidade para se comunicar e sobram niilismo e repulsa pela humanidade, sobretudo pelos críticos de arte. Nutre uma impaciência que o torna violento com frequência; sua insatisfação o leva a desejar reter a presença e a atenção de María, o que se revela impossível. A relação entre os dois se alterna entre momentos de ternura voláteis e muitas situações de atrito. Como diz Caio Sarack no posfácio, Castel “é um condenado, e não um sujeito autônomo”, e Sabato, “um autor que quer provocar instabilidades”. Para isso, o escritor aborda os labirintos da mente do protagonista com um texto de clareza exemplar. “Desejo ser seco e não enfeitar nada”, afirmou Sabato certa vez. O resultado é um texto quase hipnótico em sua rapidez, o que deve explicar parte do sucesso de O túnel entre leitores de todo o mundo. Um sinal disso é o fato de o romance ter originado três longas-metragens argentinos (em 1952, 1977 e 1988).
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